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A arte que não se perdeu

Renato Maria Deolindo Fróes (Salvador, 19 de maio de 1922 — Salvador, 5 de janeiro de 2014) costumava se referir ao seu ofício de desenhista de anúncios das sessões dos cinemas como “a arte que se perdeu”. Era assim, poética como seu traço, a definição que ele encontrou para explicar o fim de uma era que conheceu como poucos. Ré — como era carinhosamente chamado — começou a amar o Cinema ainda criança, no início dos anos 30 do século passado, quando ainda existiam filmes mudos e as imagens em movimento só podiam ser vistas nas salas de cinema.

 

Foi no final daquela década, aos 17 anos, que Renato Fróes começou a trabalhar como cartazista dos anúncios dos cinemas, que eram veiculados nos jornais de Salvador. Em 1939, um colega do curso de datilografia, que era funcionário do Cine Excelsior, viu os desenhos de Renato e o convidou para fazer letreiros na sala de espera do cinema, que ficava na Praça da Sé, em Salvador. Como pagamento, Renato assistia aos filmes de graça.

 

José de Araújo, distribuidor da Warner, da Paramount e da RKO em Salvador, percebeu os novos letreiros e quis conhecer o autor, convidando Renato para uma reunião em seu escritório. Ele propôs ao jovem desenhista que fizesse, apenas como teste, um daqueles cartazes de anúncios de filmes que eram publicados nos jornais. Renato voltou ao escritório com o cartaz na mão, acompanhado de Elísio, gerente do Cine Excelsior, e foi contratado para fazer um cartaz por semana.

 

Mas no início dos anos 40, depois que o desenhista português Ângelo Martins — o grande cartazista de anúncios na época — precisou ser hospitalizado, Renato assumiu repentinamente o trabalho que Martins fazia para os maiores cinemas da cidade. Ele então foi ao hospital e disse ao português que não queria tomar o seu lugar, deixando claro que a situação era apenas temporária. Os dois ficaram amigos, e Martins foi a grande referência de Renato na profissão.

 

Em 1943, com a criação da Força Expedicionária Brasileira, Fróes foi convocado para lutar na Segunda Guerra Mundial. Ele chegou a fazer treinamento no Forte de São Pedro e no Batalhão de Caçadores, no Cabula, mas foi dispensado antes do embarque para o Rio de Janeiro — escala final dos pracinhas antes da ida para a Itália.

 

Renato Fróes fazia seu trabalho de maneira totalmente artesanal, utilizando cartolina, cola, tinta guache, grafite e nanquim, aliado ao material enviado pelas distribuidoras. Ao longo da carreira, trabalhou para os principais cinemas de Salvador, como o Excelsior, Glória, Pax, Liceu, Tupi, Bristol, Jandaia, Guarani/Glauber Rocha, Art e Iguatemi.

 

Algumas vezes, ele assistia aos filmes em sessão especial, antes de fazer os cartazes. Em outras ocasiões, tinha que fazê-los sem sequer ter visto os filmes, e até sem receber nenhum material gráfico dos estúdios. Mas contava sempre com o vasto conhecimento cinematográfico que foi adquirindo ao longo das décadas.

 

Renato ilustrou os cartazes de anúncios dos filmes de muitos dos seus ídolos. Era fã de diretores como Michael Curtiz, Raoul Walsh, Ernst Lubitsch, Frank Capra, Anatole Litvak, Carol Reed, Stanley Kubrick, Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, além de tantos outros. Mas o seu preferido era mesmo John Ford, “porque é o melhor”, sintetizava, calmo e taxativo.

 

A habilidade com as mãos também foi usada por Renato em outros trabalhos, como capas de discos, desenhos publicitários para rótulos de caixas de fósforos e até o livreto da visita do Papa à Bahia. Ele também restaurava imagens de santos, atividade que desempenhou até quando teve forças. Mas foi mesmo o Cinema que protagonizou o roteiro da vida de Renato, que na juventude chegava a passar o dia na frente da tela grande.

 

Das matinês da infância até os tempos do Clube de Cinema da Bahia, comandado pelo lendário ensaísta Walter da Silveira, Renato conviveu com todos os que de alguma forma estavam relacionados ao universo cinematográfico na Bahia. De exibidores, distribuidores e produtores a clicheristas de jornais, passando por críticos, atores e diretores, ele lembrava de todos com a mesma importância. Entre os seus trabalhos preferidos está o cartaz de anúncio de Redenção (1959), de Roberto Pires, o primeiro filme brasileiro em cinemascope.

Renato Fróes viu surgirem e desaparecerem movimentos, tecnologias e estéticas que fizeram parte da história do Cinema, incluindo o próprio trabalho. Ele chegou a pensar em jogar fora os cartazes que ainda tinha, mas acabou convencido a guardar o material. Em 2017, seus cartazes foram exibidos pela primeira vez ao público, no foyer do Cine Glauber Rocha, durante o XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema.

 

Renato encerrou sua longa trajetória, mas seus cartazes ficaram como legado e agora serão vistos no formato original, coloridos e restaurados. Com a exposição virtual Centenário Renato Fróes, sua arte não ficará mais perdida e seus cartazes estarão em cartaz para sempre.

Como ele mesmo dizia quando gostava de alguma coisa: “Mucho bom”.

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